Discurso de Agradecimento do Dr.Jacobina

Excelentíssimo Senhor Vereador Marco Aurélio Gomes dos Santos, nobre Presidente da Câmara Municipal de Itanhaém,  Excelentíssimos Vereadores,  Vereador Leandro Avelino, presidente da prestigiosa União dos Vereadores da Baixada Santista, Operoso Prefeito João Carlos Forssell,, Excelentíssima Juíza de Direito Fernanda Peres, que representa a Senhora Juíza Cláudia de Araujo, digna diretora do Forum, prezado Desembargador Gilberto Passos de Freitas, ex-Corregedor Geral da Justiça e que se faz presente também em nome do Grupo de Apoio ao Judiciário ( GAJ), queridos esposa e filho, caros parentes, prezados representantes do Instituto Ernesto Zwarg Júnior e ONG Bicho da Mata, Itamar Zwarg e Soraya Lysenko, amigos que aqui vieram ter, alguns mais de perto, outros de longínqua cidade, como é o caso de Alexei Preto Rodrigues, de Curitiba, senhoras, senhores:
                   depois de uma tarde toda dedicada a palestras em que, basicamente, o assunto foi o de questões ligadas às relações entre desenvolvimento e construção de política ambiental sustentável, cabe se reconhecer a existência de um liame entre elas e a presente sessão,  dedicada à concessão a mim do título de cidadão de Itanhaém. Tais acontecimentos se entrelaçam porque todos têm a ver, no final de contas, com um cenário de encontro entre o passado e o presente, com o mesmo tema, o do alcance de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
                   Inicialmente, devo cumprimentar o Senhor Vereador presidente, com muita admiração por suas efetivas providências em relação a essas fundamentais matérias de interesse difuso e coletivo em causa e que estão a dizer respeito já não mais a direitos individuais nem a direitos sociais somente, mas sim já a um direito de terceira geração, conforme é do entendimento universal.  Faço a extensão desses cumprimentos a seus dignos pares, aos quais também presto as devidas reverências, bem como à União dos Vereadores da Baixada Santista, ao Conselho Municipal de Cubatão do Meio Ambiente e à Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente da Prefeitura local.  Quero ser um dos primeiros a testemunhar que o que se viu aqui nesta jornada, pela relevância das proposições discutidas, foi uma demonstração de cumprimento do que vem estabelecido na mais elevada das leis, a Constituição Federal, isto é, que, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Público promover a conscientização pública para a sua preservação, observar a sua defesa, dispor sobre diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento metódico.
                   Itanhaém ganha projeção crescente, na medida em que promove fóruns da espécie, certo que o monitoramento ou aconselhamento ou mesmo apenas a presença ou o exemplo das pessoas em geral e dos agentes não governamentais ou ONGs no cumprimento do dever de proteção da natureza e, por conseqüência, de proteção da própria vida humana, da fauna e da flora, hão de merecer, igualmente, o respeito que lhes é devido.
                   Ainda não parecia que era um tempo de preocupações nem de acontecimentos como o de hoje aquele em que me coube a oportunidade de exercer aqui as funções de juiz de direito. A autonomia dos Municípios era quase que praticamente livre, a lei mais importante em termos de planejamento urbano seria a do Decreto lei n. 58, de 1937, ao lado da Lei sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, n. 4.591, de 1964.  O Estatuto da Cidade, a dispor sobre plano diretor, veio a ter seu advento somente em 2001.
                   Ainda outro dia, faz cerca de dois meses, eu lia uma crônica de Paulo Bomfim, cujo título tinha apenas uma palavra: Itanhaém.  Nela, Paulo Bomfim começava por dizer que conhecera Itanhaém no ano de 1939. E, logo em seguida, ainda no início da crônica, acrescentava: “Era uma cidadezinha colonial adormecida entre a benção do convento e o rio desaguando no mar onde Hans Stadens naufragou na alvorada quinhentista... Às nove horas, o gerador que fornecia energia era desligado e a vila adormecia um sonho de pirilampos e de serenatas...”.   Na sequência, escreveu  que tinha voltado para cá no ano de 1950, que foi quando conhecera José Rosendo, memorialista e seresteiro, e uma outra pessoa da qual também se tornaria um amigo, de nome Ernesto Zwarg, jornalista e pioneiro da ecologia, filho da poetisa “Pedrinha”, irmão e parceiro de Antônio Bruno em músicas sobre a cidade. Depois, sempre nessa crônica, que foi publicada no jornal “Tribuna do Direito”, relembrou: “Há meio século sou visitado pela “Folia de Reis”. Ao longe violões vêm acompanhando o canto onde reconheço sempre as vozes de Ernesto Zwarg, José Rosendo e Ernesto Bechelle...”.

                   O grande prazer que tive de travar conhecimento com Itanhaém se deu há pouco mais de quarenta anos, quando eu ainda era um jovem juiz substituto da circunscrição de Santos, no ano de 1970.  Posteriormente, voltei, no ano de 1973, dessa última vez eu mesmo como juiz titular da disputada comarca.  Foi quando tive a satisfação de também ter podido conhecer, dentre outros, os dois notáveis cidadãos mencionados por Paulo Bomfim, a saber,  o José Rosendo e o Ernesto Zwarg Jr.  Este último, o Zwarg, viria a ter importância marcante em minha vida, como se vê pelo que acontece neste momento, na medida em que, dando vazão a seus sentimentos de ecologista, e considerando ameaçada de prejuízos sua Itanhaém querida, propôs uma ação popular em sua defesa, que eu, naturalmente, por ser o juiz da comarca na ocasião, tive de julgar. Aquilo que Zwarg pretendia com a medida judicial era a anulação de novas leis que, segundo os motivos ressaltados na petição inicial, traduziam um evidente perigo, sobretudo para a área de praia, leis dadas como votadas sem as exigências todas que o regimento da Câmara estipulava e que revogavam outras leis anteriores, mais velhas, pelas quais, sem adequada rede de efluentes de esgoto, não se podia tolerar a construção de prédios além de determinado gabarito.   
             O julgamento aqui, na comarca, terminou com sentença favorável ao autor da ação, em maio de 1974, que, sem que se pudesse imaginar, tomou, de imediato, as páginas de jornais e revistas, em muitos lugares, até mesmo no exterior, com manifestações favoráveis.  Todavia, tendo o Poder Público municipal apelado para o Tribunal de Justiça, a repercussão com que contava a decisão não impediu sua modificação pela veneranda segunda instância, na Capital.  A Corte superior adotou argumento de inadmissibilidade para o caso da espécie de ação que havia sido eleita, isto é, uma ação popular, e estabeleceu que não cabia acolhimento da pretensão de anulação das normas municipais que, em tese, não deviam ser tidas como irregularmente baixadas pelo Legislativo, porque os eventuais vícios apontados por  Zwarg na sua votação tinham  sido sanados no decorrer mesmo do procedimento de votação.
                   Não tendo sido interposto recurso para o Supremo Tribunal Federal contra o acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça, exceto quanto à condenação que este impusera a Zwarg do ônus de pagamento de custas e honorários, recurso esse que foi acolhido pela Corte de Brasília, somente restava se conformar com o resultado final dado à causa. Nunca me foi dado saber a razão pela qual não se apresentara recurso também quanto ao mérito à Corte constitucional e não me cabia fazer indagação a esse respeito. Naquele tempo, isto é, cerca de quatro décadas atrás, mais do que hoje, difícil se saber se o pêndulo, na Suprema Corte, poderia oscilar para o lado da posição seguida pela segunda instância em São Paulo, ou se viria a mostrar sua face para os lados do professor e ex-vereador de Itanhaém.
                   Uma certeza, porém, existe. Ela consiste no fato de se saber que a iniciativa da propositura da ação popular por Zwarg era, efetivamente, uma ação avançada para a época.  Seus termos diziam respeito na época a pretensões de anulação por cidadão de atos lesivos ao patrimônio público e a outros bens, de modo amplo, conquanto não se referissem, especificamente, a atos lesivos ao meio ambiente. No caso, não foi esse o pensamento seguido pelo Egrégio Tribunal.  Explica-se assim, quer parecer, o motivo pelo qual a Constituição Federal, de 1988, para afastar discussões a esse respeito, próprias de uma cultura que no país estaria a exigir especiais denominações embora dentro de genéricas abrangências, veio a acrescentar  no dispositivo sobre a ação popular que cabível ela em mãos de qualquer cidadão também para anular ato lesivo  ao meio ambiente.
          Indubitavelmente, no tempo em que proposta e no qual proferida a sentença, ainda sequer se empregava, como acontece nos últimos anos, o termo sustentabilidade, fator essencial a ser levado em consideração na relação entre as atividades humanas e o meio ambiente.
                   Coexistência entre desenvolvimento e sustentabilidade, isso era o que, embora na condição de uma tenra planta, pareceu ao juiz se revelar presente na ação popular de Zwarg. Um doutrinador de prestígio, Vladimir Passos de Freitas, que foi Promotor de Justiça em Itanhaém,  em suas obras e conferências, ressalta que foi pertinente no processo a invocação feita na sentença à saúde e ao lazer, direito fundamental previsto na Constituição então em vigor.   Outro estudioso, já saudado no início deste pronunciamento, o Dr. Alexei Pretto Rodrigues, escreveu dissertação de mestrado sobre a inicial, a sentença e o julgamento, aprovada na Pontifícia Universidade Católica, no Paraná.   E é inegável que as iniciativas internacionais, como a Conferência de 1972, em Estocolmo, o  Relatório Brundtland de 1987 e a ECO-92, especialmente, aprofundaram imposições no sentido de respeito à referida coexistência, cujas recomendações ou mandamentos presentemente se fazem registrados na Lei Maior brasileira e em leis federais da maior importância, muitas delas editadas ainda no período do governo militar, o mesmo período da propositura e julgamento da ação popular.  
                   Na petição inicial da ação, como na sentença, cujos fundamentos buscaram bem interpretar as razões da petição, não havia intuito nenhum de contrariar por contrariar nem de se querer travar o avanço do progresso.  Com razão ou sem razão, o que se pretendia com a ação era a obtenção de um desenvolvimento urbano ordenado, simplesmente.
                   Assim, no presente momento, bem se pode visualizar o motivo pelo qual eu tenho que concluir, como neste instante concluo, que, no caso, neste lindo recanto dos primórdios da posse da terra brasileira em nome da coroa portuguesa, eu fui apenas alguém que, no cumprimento de um dever, acolheu, em decisão, a ação proposta por Ernesto Zwarg Júnior.  Sua recordação é quem o torna, não eu, o merecedor de todas as homenagens, na qualidade de precursor de uma posição cujos princípios, como mostrou todo o dia de hoje, lograram acolhimento e fincaram raízes. Estou certo de que não foi sem motivo que o destino, por algum motivo que apenas o futuro haverá de revelar, escolheu a bela Itanhaém como berço para o que foi um grito de vanguarda por sustentabilidade.       
                   A concessão do título de cidadão de Itanhaém se deve ao espírito aberto desta Casa, secularmente fincada neste recanto privilegiado, sempre quase aos pés do Itaguassu das primeiras moradias e da primitiva ermida, sempre nas proximidades da taba dos índios itanhaéns, que foi onde teve início sua gloriosa história.
                   Uma honraria e tanto, portanto, esta que me é concedida, para glória e vaidade minha e dos meus entes queridos.  Muito agradeço aos senhores vereadores, especialmente ao Vereador Marco Aurélio, pela iniciativa da concessão do título de cidadão de Itanhaém. Também agradeço ao Márcio Zwarg, que lutou por este acontecimento, aos caros itanhaenses, representados pelos senhores vereadores e sem cuja concordância este importante e inesquecível momento não poderia estar a ocorrer. Muito obrigado a todos os presentes e àqueles que, não podendo se mostrar presentes, ofereceram inestimável colaboração para este momento.  

José Geraldo de Jacobina Rabello, Itanhaém, em 1º. de julho de 2011